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Crônicas

Um caso de amor

 

Cheguei para varrer o pátio da Universidade e me deparei com uma gata tigresa, 
linda, acuada junto ao pneu do carro estacionado. Pensei comigo: “Como essa 
belezinha veio parar aqui?” Passou o dia. Ela continuava no mesmo lugar, me 
olhava agora mais tranquilamente, diferente de quando a vi pela manhã. “Ainda aí 
tigresa?” Ela deu um miau fraco, frustrado, carente. Estendi meus braços para 
pegá-la achando que ela sairia em disparada, mas não fez nada, apenas se deixou 
pegar. Sua barriga estava ligeiramente dura. “Está prenha tigresa? Falei em seu 
ouvido como se ela pudesse me dar explicações do tipo: “Conheci um gato que me 
iludiu com promessas de amor eterno... e fui posta pra fora de casa.“ 
Coitadinha! Ninguém apareceu para reclamá-la.
Eu não me importava com as dezenas de gatos que perambulavam pela Universidade, 
no entanto aquela gata tigresa me conquistou, estava cheio de chamegos com ela. 
Certo dia, na minha hora de descanso debaixo de uma linda figueira, vi a Tigresa 
procurando alguma coisa. “Já está na hora?” Levantei e fui ajudá-la a encontrar 
um lugar tranquilo e quente para ela parir seus gatinhos. O prédio da 
Universidade é antigo e possui esconderijos bem interessantes, e o que a tigresa 
elegeu dava para eu chegar perto e com boa vontade dela eu poderia até segurar 
os bichanos quando nascesse. Forrei o local escolhido com jornais. Fiquei ali 
assistindo. Sem emitir um som sequer de lamúria, diferente da minha irmã que 
ficou numa sequencia de “Ai! Ai! Ai!...” antes de ser levada para o hospital 
para ter meu sobrinho, Tigresa fazia ronrom igual ao quando estava recebendo 
cafuné nos meus braços. Prazer e dor. Saiu o primeiro gatinho igual a ela, 
tigrado, úmido. Ela mordeu e cortou o cordão umbilical, imediatamente foi 
lambendo e virando a cria. Agora entendo melhor o banho de gato. A massagem e as 
lambidas dadas distraia para que a dor da vinda do segundo gatinho não fosse 
percebida. Mais outro tigrado... e mais outro, agora três. daí a pouco vem o 
último, preto, molhado que brilhava. Tigresa lambeu esse de forma diferente dos 
outros, com mais vigor, mais tempo, mais amor. Acabado o trabalho, pausa para 
amamentação. Os quatro mamando, tigresa com o ébano bem próximo ao seu rosto o 
lambia e semicerrava os olhos.
Minha imaginação voou. Vi uma gata tigrada, com pedigree e outras frescuras. Em 
sua casa, acomodada no cesto acolchoado, dormia serenamente até que viu no 
telhado da casa ao lado, um gato preto andando charmosamente. Tigresa sai de sua 
cama e vai até a janela. Os olhares felinos se encontram. A partir daí os dois 
passaram a estar juntos até que a dona, ou dono... não. Isso é coisa de dona, 
descobre que sua gata caríssima está prenhe de um vira-lata preto. Descarta a 
bichana porque não atende mais aos seus propósitos. Tigresa adorou o gato 
neguinho e agora nasce um filhote igual a ele. Fim?
Que nada! No prédio de Engenharia, distante de onde Tigresa curtia seus 
filhotes, vi um andaime oscilar e cair após uma ventania. Embaixo do escombro, 
uma gata magrela agonizava. Corri para salvá-la, mas era tarde. Observei que 
aquele corpinho tinha tetas cheias de leite. “Tem mais filhotes nesse campus”. 
Procurei e achei os cinco gatinhos já de olhos abertos subindo um por cima do 
outro sem terem a mínima ideia do que acabava de acontecer. Continuei o meu 
trabalho, que era muito depois da ventania, e me esqueci do assunto. No dia 
seguinte, com mais um bocado de ração, garrafinha de leite e jornais, me 
surpreendi com o tamanhão da ninhada. Tigresa pegou cada gatinho órfão e levou 
para sua toca. Agora era mãe de nove. Passado um mês, ela andava e sua prole ia 
atrás feita uma galinha com seus pintinhos. O frio chegou. O pátio da 
Universidade repleto de carros e sobre o capô de cada um deles dois gatos 
aproveitavam o calor do motor. Tigresa veio roçar na minha perna. Tomei-a no 
colo. De repente ela esperneia para descer. No vão do portão aparece um gato 
preto com olhos bem verdes e correndo pra ele uma tigresa fazendo ronrom tão 
alto que imaginei ouvir nitidamente. Sorri. Meti a mão no bolso da calça e 
encontrei a nota do supermercado onde comprei a ração.
“Pessoal preciso de ajuda, traga um pouco de ração para uma grande família.”
“Qualé Genivaldo, a coisa está tão feia que vai comer isso agora? Que eu saiba 
você detesta gatos.”

Heloisa Prado

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