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"Alce"

-Arrume as suas coisas e vá embora!

Alcebíades, vulgo "Alce", 54 anos, pega duas sacolas da Casa&Vídeo, daquelas amarelas, com algumas sungas, chinelo Rider, havaiana preta, short de microfibra e umas roupinhas ganhas durante a estadia na casa de Leonora e sem bronca nem mágoa se despede dela.

-Leo sem ressentimento, tá? Eu não fui o homem que você queria, mas enquanto ficamos juntos até que nos demos bem.

-Suma da minha frente! Senão chamo a polícia. Não sei onde estava quando chamei você para morar comigo.

-Estava apaixonada, só isso.

Leonora o empurra porta a fora. Alce fica parado em frente a porta fechada, logo dá um sorriso e caminha para o elevador. Antes se certifica diante do espelho da cabine se está bem arrumado. Verifica os dentes e pega o celular comprado na promoção do Natal a R$89,00 e liga para Neide Aparecida.

-Meu amor, estou chegando.

Neide Aparecida é uma coroa aposentada, foguenta, que conheceu o Alce na exposição "Erótica" do CCBB. Foi amor à primeira vista. Ele fez comentários inteligentes sobre as obras expostas que ela gostou.

-Encontrei o homem da minha vida. - fala para Nina, sua amiga - Hoje é tão difícil encontrar alguém disponível na nossa idade, quanto mais com predicados que o Alce tem.

-Amiga cuidado, veja lá o que está fazendo.

-Ele é divorciado, tão generoso que deixou tudo para a ex e os filhos. Eu não me importo, tenho o principal que é o apartamento, ele ajudando em algumas despesas até que poderemos viver uma vida boa.

Alce chega contando que um amigo precisou viajar urgente e pediu sua bolsa de viagem emprestada, daí as sacolas amarelas.

-É bem resistente, assim como vai ser o nosso amor. -pega Neide Aparecida de jeito e a encosta na parede dando-lhe beijos para que ela não tenha tempo de pensar.

Um mê depois Neide Aparecida cobra de Alce as contas pagas.

-Meu amor você sabe que a minha aposentadoria está demorando por causa das greves do ISS,  paga que quando eu receber vou lhe ressarcir.

Dois, três, quatro meses e a história se repetindo.

-Quero que você procure viver sua vida e saia da minha casa até o final da semana.

Mais uma vez Alcebíades está no olho da rua. Com roupas mais transadinhas, ele procura em lugares mais sofisticados sua próxima vítima. Descola um ingresso no Teatro Municipal para assistir um concerto e lá conhece Diva, 65 anos, viúva de desembargador que confessa ter horror de dirigir.

-Posso ser seu motorista.

Mais uma vez ele vive o papel do grande amor da vida de alguém.

Diva percebendo que Alce dava olhares indiscretos para outras mulheres começa a discutir com ele.

-Minha querida você sabe que é o meu grande amor, está vendo coisas que não existem. Sou seu homem. Quero viver com você o resto dos meus dias.

Um dia ao chegar tarde em casa Alce encontra Diva desmaiada. Ele a leva para o hospital, mas ela morre. Ela tinha deixado sua herança para ele.

Quando Alce fez 65 anos deu uma festa para os amigos. Estava lá a Madalena, Lena para os íntimos, com seus 30 anos bem vividos. Foi um amor ardente que o Alce sentiu por ela.

-Por que não vem morar aqui, tem quarto sobrando, já nos conhecemos faz tempo e não justifica você morar em vaga.

Lena trabalha num escritório de advocacia como atendente. Aproveita seus conhecimentos para garantir o seu futuro financeiro ao envolver o Alcebíades.

-Nunca imaginei que fosse me apaixonar tanto assim por um homem mais velho que eu.

Pela primeira vez na vida o Alcebíades se casa. Lena logo engravida, ele que nunca teve filhos fica apaixonado. Quando o bebê nasce Alce vê que o garoto é bem moreno e tem uma pinta no braço.

-Minha mãe vem ficar comigo por um tempo.

-Você tem mãe?

-Ela mora no Norte. O Júnior puxou à minha família.

Dois dias depois Alce vai receber sua sogra na porta. Quando a vê toma um susto.

-Leonora!

-Olá Alce! Esse também é Alce, só que Alcides.- aponta para um homem de uns 32 anos com uma pinta igual ao do Júnior só que no pescoço. - Que coincidência, não é?

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